Tem crescido o interesse na investigação sobre o desenvolvimento linguístico em fases iniciais, que salienta o papel que marcadores iniciais podem ter enquanto preditores do desempenho linguístico subsequente, em particular nos casos de perturbações da linguagem. Tanto medidas comportamentais como neuronais relativas ao processamento da fala em fases iniciais podem sinalizar (in)capacidades linguísticas subsequentes. Esta investigação contribui para a compreensão dos fundamentos da aquisição da linguagem, e tem potencial impacto social, com benefícios para indivíduos e famílias, concorrendo para uma sociedade mais inclusiva. Crucialmente, as capacidades perceptivas no 1º ano de vida parecem desempenhar um papel decisivo na segmentação da fala (discriminação de unidades fonéticas, sílabas, palavras, e suas combinações), o que por sua vez desencadeia a aprendizagem de palavras e o processamento sintáctico. Dificuldades na discriminação de qualquer destes contrastes na fala podem conduzir a défices na linguagem. Há uma prevalência de défices de linguagem numa variedade de perturbações do neurodesenvolvimento, como as Perturbações do Espectro do Autismo (PEA), Perturbações Específicas da Linguagem (PEL), ou Perturbações do Desenvolvimento Intelectual (PDI).
Entre estas últimas, o Síndrome de Down (SD) é a causa genética mais comum para atraso mental, com uma prevalência relativamente alta. Surpreendentemente, contudo, os défices linguísticos no SD estão entre os menos estudados e a investigação existente incide fundamentalmente na qualidade vocal e nos desvios ao nível da produção de fala. Até aqui, e contrariamente ao que sucede com a PEA e a PEL, o foco da investigação não tem incluído as fases mais iniciais da linguagem e, em particular, as capacidades de percepção da fala do bebé, daí que os marcadores precoces de desenvolvimento linguístico no
SD estejam largamente por estabelecer. Este projecto visa contribuir para esta linha de pesquisa centrandose nas capacidades dos bebés com SD requeridas para o processamento da fala em diferentes domínios linguísticos. Através de um procedimento multimetodológico (paradigmas tradicionais do estudo do olhar e medidas de movimento dos olhos e de EEG) investigase um conjunto de potenciais marcadores precoces, num estudo prospectivo em que os bebés testados a partir dos 56 meses são seguidos até aos
30 meses. Especificamente, o seu desempenho num conjunto de tarefas de percepção que testam capacidades iniciais para a discriminação de segmentos sonoros, acento, entoação e agrupamento prosódico será relacionado com medidas de desempenho em fases posteriores do desenvolvimento linguístico (vocabulário, morfologia, sintaxe, prosódia, pragmática).
O projecto Horizonte21 tem três objectivos principais, que traduzem o carácter inovador do programa de investigação: (1) Uma vez que a investigação se tem centrado nas crianças com desenvolvimento típico (DT), com PEA ou com PEL, dados novos sobre a percepção da fala em bebés com SD, em condições experimentais comparáveis, podem fornecer elementos cruciais para a compreensão das perturbações da linguagem e da forma como elas se relacionam com as capacidades cognitivas, assim como para as teorias sobre a aquisição da linguagem.
Um estudo prospectivo incidindo sobre o desenvolvimento linguístico no SD em diferentes domínios linguísticos, utilizando metodologias comparáveis com as usadas em estudos sobre outras perturbações do desenvolvimento, contribuirá para determinar se os marcadores iniciais de perturbações de linguagem têm uma natureza geral ou se existem marcadores para domínios específicos (e.g., percepção segmental; percepção de traços prosódicos baseados em diferentes pistas auditivas, (como o acento ou a entoação), dependentes da etiologia da perturbação, do tipo de perturbação da linguagem (e.g., vocabulário, morfologia, sintaxe), ou de outros factores (e.g., capacidades nãoverbais).
(3) O conhecimento novo e detalhado sobre o desenvolvimento linguístico inicial no SD permitirá identificar áreas fortes e fracas nos diferentes domínios linguísticos em observação, que podem não apenas distinguir o SD de outras perturbações do neurodesenvolvimento, mas também distinguir indivíduos dentro da população com SD, com potenciais implicações nos planos de intervenção clínica ao nível da linguagem.
O projecto junta uma equipa multidisciplinar, que inclui linguistas, psicolinguistas, psicólogos e terapeutas da fala (Lisbon Baby Lab Centro de Linguística, Universidade de Lisboa; Centro de Psicologia, Universidade do Porto; LAPSOISCTE; e Diferenças–Centro de Desenvolvimento Infantil), combinando capacidades científicas e clínicas, através da colaboração entre unidades de investigação e o centro português para as perturbações do neurodesenvolvimento ligado à Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21.