Information Participant:
-Name: EM
-Profession: Seamstress
-Place of birth: Albufeira - Algarve
-Age: 63
-Topic: Early Life

INTERVIEWER: aa que falasse um bocadinho comigo… sobre aa diz que… nos últimos dez anos viveu na Guia não é?

PARTICIPANT: Sim.

INTERVIEWER: Sobre aa como é que é… viver na Guia aa gostava também que me falasse onde… onde nasceu… como é que foi a sua infância (breathe) aa…

PARTICIPANT: Tudo de pequenina?

INTERVIEWER: Sim.

PARTICIPANT: [Sim].

INTERVIEWER: [Sim].

PARTICIPANT: (click) A minha infância… não foi das piores mas também não foi das melhores. O meu pai morreu… eu tinha… sete anos. Era um jovem ainda.

INTERVIEWER: Pois era…

PARTICIPANT: Pronto. Depois fiquei aa com a minha mãe… depois fui p’á escola…

[0:30]

PARTICIPANT: (cont.) fiz a quarta classe… a minha mãe entretanto casou… depois como casou com… um homem que tinhas dois filhos aa a família da parte do meu pai… as minhas tias… (breathe) quando eu acabei a escola… levaram-me p’á casa delas. Fui p’á Baixa da Banheira. que é o barreiro. Depois aa conheci lá o meu marido… casei…

[1:00]

PARTICIPANT: (cont.) vim-me embora… ele trabalhava na Sacoor… viemos morar p’a Faro. Tive um filho… lá… é assim?

INTERVIEWER: hum_hum sim.

PARTICIPANT: Vim morar para Faro. Morei trinta anos em Faro. Trinta ou mais. Depois… morreu o meu sogro… entretanto vendemos o terreno… fizemos casa… viemos morar p’á Guia. E ali temos… ah (click) comecei logo mal. A minha profissão (laugh)… [a] minha profissão (breathe) Aos onze anos fui p’á costura…

INTERVIEWER: [(laugh)]

[1:30]

PARTICIPANT: (cont.) e andei sempre na costura… foi a minha profissão foi costureira… comecei a trabalhar… logo… como profissional… sozinha (breathe) aos dezassete anos… depois trabalhei sempre… até hum na minha casa… até aos… quarenta e cinco. Depois fui trabalhar para… um estilista.

INTERVIEWER: Ah… começou então em casa?

[2:00]

PARTICIPANT: Sim. Comecei em casa. (breathe) Fui trabalhar para um estilista… trabalhei lá… nem sei já há quantos anos… uns quantos anos. (breathe) Depois como… fizemos casa na Guia… mudei-me de Faro para a Guia… e já não trabalhei mais. Só faço a limpeza da casa mais nada.

INTERVIEWER: Hum. E tem… tem quantos filhos?

PARTICIPANT: Tenho um filho e uma filha… um filho nasceu no Barreiro… (breathe) e a filha nasceu em Faro.

INTERVIEWER: A Marta?

PARTICIPANT: Sim.

INTERVIEWER: E… e eles já têm… já têm… filhos?

[2:30]

PARTICIPANT: Sim. O Pedro casou com uma… rapariga estrangeira… Belga… (breathe) depois… ela ficou… grávida… quis ir ter o bébé na Bélgica… o primeiro filho… (breathe) e ele foi. Ficou sempre lá. E está lá. [Já tem] dois filhos. E a Marta também depois casou… em Albufeira… e já tem uma menina. Foi difícil de arran[…] de engravidar… mas… conseguiu. Sim. e já tem uma menina… com… ‘tá quase a fazer dois anos.

INTERVIEWER: [Hum] hum

[3:00]

INTERVIEWER: E aam (click) acha que… comparando os tempos de antigamente e os tempos de hoje… acha que é mais difícil viver hoje… era mais difícil viver antigamente? (breathe) Porque aa as pessoas falam hoje que ‘tá em crise ‘tá em crise… mas aa antigamente também era muito [complicado].

PARTICIPANT: [Sim] sim. (breathe) Vivia-se com mais dificuldade do que… com que se vive hoje… porque fazíamos a vida (breathe) doutra maneira… não tínhamos carro… não tínhamos (breathe) as condições todas que temos numa casa… não era… (breathe)

[3:30]

PARTICIPANT: (cont.) aa pronto… nem havia casas de banho… não havia nada disso. Antigamente ‘távamos aa há uns cinquenta anos atrás ou quarenta… ou isso… no campo. E mesmo mesmo no Barreiro… quando eu fui p’á Baixa da Banheira… p’ó Barreiro (breathe) ou Baixa da Banheira… aquilo é a mesma coisa (breathe) aa eu fui p’ra lá… tinha… doze anos. Não havia… esgoto… não havia água canalizada… não havia nada disso. Hoje já há tudo.

INTERVIEWER: Pois.

PARTICIPANT: E o… e naquela altura as pessoas não se queixavam tanto como se queixam hoje. Parece que hoje... (breathe)

[4:00]

PARTICIPANT: (cont.) precisamos mais de… do dinheiro… p’ra viver. Naquela altura parece que se vivia com menos dinheiro.

INTERVIEWER: Mas porquê? Porque as pessoas tinham [terr[…]]?

PARTICIPANT: [Porque] tínhamos menos coisas… havia… agora somos mais exigentes… temos… é isso.

INTERVIEWER: [hum]

PARTICIPANT: [Exigimos] mais… nas escolas... por exemplo... eu (breathe) eu nunca tive… na escola que eu andei… nunca tive aquecimento… nunca tive casas de banho… não tive nada disso… agora... se houver uma escola… que tenha uma casa de banho que não ‘teja em boas condições há logo de... manifestações por causa disso… né… queixas.

INTERVIEWER: Pois.

[4:30]

PARTICIPANT: Antigamente não havia nada disso e estava tudo caladinho.

INTERVIEWER: [(laugh)] Pois… [é verdade].

PARTICIPANT: [Né?] [É assim] às vezes exi[…] não havia aquecimento… não havia nada disso. Agora exigem isso tudo.

INTERVIEWER: hum_hum

PARTICIPANT: É por isso que também há menos dinheiro… a gente n[…] vive… (breathe) eu… eu até vejo… vejo por mim… quando eu casei… eu tive sempre o meu mealheiro… assim à parte… vá eu digo cento e cinquenta contos… no tempo dos contos (breathe) se houvesse uma doença ou uma coisa… aquele dinheiro tava ali… eu não lhe mexia… mesmo que tivesse falta eu não lhe mexia… (breathe)

[5:00]

PARTICIPANT: (cont.) Eu hoje… tenho mais do que isso… mas não equivale a tanto.

INTERVIEWER: hum_hum

PARTICIPANT: ‘Tamos numa altura em que vivemos melhor. [Percebeu?] Eu digo…

INTERVIEWER: [pois]… Percebo.

PARTICIPANT: vivemos com melhores condições… mas se calhar (breathe) tenho menos reserva... em comparação com o que tinha naquela altura. [Há] uns trinta anos atrás.

INTERVIEWER: [Pois]. hum_hum

PARTICIPANT: E eu nunca tive desde miúda… nunca tive sem dinheiro nunca… nunca… nunca … foi logo de mim… nunca tive…

[5:30]

PARTICIPANT: (cont.) mesmo de miúda. Porque o meu pai morreu… (breathe) e a herança foi… a minha mãe tinha casado com separação de bens… e a hera[…] e os herdeiros depois são os filhos. O que ficou… e depois era… o rendimento era amêndoas… figos... e alfarrobas… você se calhar não conhece isso… mas cá era assim… no campo. (breathe) E depois esse dinheiro... aa as pessoas que tinham… e viviam só disso tinha de dar p’ro ano inteiro…

INTERVIEWER: (laugh) Hum.

PARTICIPANT: E havia outras que trabalhavam… isso ganhavam… mas era pouco (breathe) e eu... (breathe) eu e as minhas irmãs. Esse dinheiro que eu arranjava nos figos e…

[6:00]

PARTICIPANT: (cont.) eu conseguia fazer que chegasse p’o ano inteiro. [Não tinha] mais quem me desse. [Só] no Verão.

INTERVIEWER: Mas então [isso]… mas isso só ganhava numa determinada altura do [ano].

PARTICIPANT: E eu conseguia fazer chegar… o que eu não comprava comida nem nada disso… era só p’ra… roupas… sapatos… coisas… a comida tinha sempre quem me desse né… tava na casa da minha tia…

INTERVIEWER: hum_hum

PARTICIPANT: tinha sempre quem me desse. Mas eu tinha sempre dinheiro. Mesmo assim.

INTERVIEWER: Pois e hoje já isso já não… não é assim.

PARTICIPANT: Po[...] nunca me faltou o dinheiro mas...

[6:30]

PARTICIPANT: (breathe) desde miúda… nunca me faltou… nunca tive um dia… não tenho dinheiro… não. Mas já não é… tanto (breathe) parece que é mais difícil agora.

INTERVIEWER: hum

PARTICIPANT: Ou somos mais exigentes... eu não sei o que é.

INTERVIEWER: hum

PARTICIPANT: ‘Tamos mal habituados se calhar…

INTERVIEWER: Pois.

PARTICIPANT: Também não havia carro e agora há…

INTERVIEWER: Pois é (laugh) e agora qualquer um [tem carta]…

PARTICIPANT: [Não havia água] nem luz nem nada disso pa pagar. E agora há isso tudo. É telefone… é mais isto é mais aquilo. (breathe) Eu a[...] é por isso que eu acho que se vive com mais dificuldade porque… o dinheiro é mais… mas ‘tamos mais exigentes.

INTERVIEWER: hum_hum

[7:00]

INTERVIEWER: E... tem alguma recordação de… de pequenina aa que t[…] que… por... por alguma razão sempre tenha ficado na memória?

PARTICIPANT: (cont.) Tenho. Tenho. (breathe) Tenho (breathe) Tenho porque a minha avó aa da parte do meu pai… chamava-se a avó rica. E tem (cough) a avó da parte da minha mãe que era a avó pobre.

[7:30]

PARTICIPANT: (cont.) Mas a avó rica.. a avó pobre era mais caseira… tinha tudo em casa... louça... tudo. E a avó pobre era mais homem… (breathe) queria era comprar fazendas... comprar isto comprar aquilo. 'Pois tinha a mania (breathe) que era rica né (breathe) e eu como tinha… ficado sem pai dava menos valor… naquela altura dava menos valor. E tinha um filho… o meu tio… que era... esse também tava rico… tinha ido para a América… tinha os netos... que ela gostava muito daqueles netos. E eu quando estava com ela… quando os meus primos chegavam eu gostava de ficar que era para brincar…

[8:00]

PARTICIPANT: (cont.) porque ainda era miúda. E a minha avó dizia assim… nunca me esquece… olha filha hoje vais p’á da tua mãe que a avó hoje não tem pão. Porque os... os outros netos queridos chegavam… e eu ia... pronto. Mas magoada.

INTERVIEWER: Ficava muito [magoada]…

PARTICIPANT: [Muito]… eu nunca me esquece disso. Por isso… [não].

INTERVIEWER: [E uma] recordação mais feliz?

PARTICIPANT: Mais feliz? Nem sei… [de pequenina?]

[8:30]

INTERVIEWER: [Não se recorda]… Sim. Não tem assim nenhuma…

PARTICIPANT: Não.

INTERVIEWER: E… e com o que é que brincava? [Quando] era [pequenina].

PARTICIPANT: [hum] [hum] Naquela altura? Fazia (click) fazíamos bonecos de trapo… eu pouco brinquei.

INTERVIEWER: Começou a trabalhar cedo né?

PARTICIPANT: Sim. Então eu saí da escola fui p’á costura. [Pronto].

INTERVIEWER: [Pois].

PARTICIPANT: Ah e a minha avó ainda tinha outra coisa que fazia (breathe) quando os meus primos... chegavam…

[9:00]

PARTICIPANT: (cont.) que eles ou estavam a estudar em Faro... ou estavam... aa 'pois chegavam... (click) aa mandava-me ir apanhar azeitonas logo… p’a eu não brincar.

INTERVIEWER: hum

PARTICIPANT: Eu era pequenina… tinha p’raí onze anos. Já viu o que é?

INTERVIEWER: Pois. [(xxx)]

PARTICIPANT: [Exactamente]. Eu não tenho boas recordações dela nenhumas. E da outra avó pobre… que ela dizia que era pobre… só tenho boas recordações… porque (breathe) aa assim que chegávamos lá… era a mãe da minha mãe... (breathe)

[9:30]

PARTICIPANT: (cont.) sentava-se… punha aa descascava maçãs… naquela altura havia tinham… as pessoas tinham… (breathe) e dava-nos… dava-nos o lanche… a outra não. Por isso não tenho boa recordação da outra.

INTERVIEWER: [Pois].

PARTICIPANT: [E no] entanto... (breathe) era a avó rica e a avó pobre… mas a avó pobre… não percebo porquê… deixou... tanta... p’a herdar p[…] p’ós filhos como a outra deixou.

INTERVIEWER: (laugh)

PARTICIPANT: Isso é que eu não percebo... hoje ainda digo…

INTERVIEWER: A outra gastava mais se calhar… e avó mais pobre aa preocupava-se mais com os seus. E poupava mais.

[10:00]

PARTICIPANT: A outra comprava era fazendas… c[…] terrenos… terrenos p’ra s[…] e até emprestava dinheiro veja bem… em letras. Este ano… (breathe) agora há bancos né… Naquela altura havia pessoas que tinham dinheiro… (breathe) e emprestavam a outros faziam letras só que depois eles não pagavam né… (breathe) era assim (breathe) e aquela outra minha avó… era mais caseira… tinha tudo muito bonito… muita… muitas flores… tudo. Ainda existe... a casa. Ainda lá está a casa... já.

INTERVIEWER: hum

[10:30]

PARTICIPANT:(cont.) E eu hoje digo não sei porque é que era uma avó rica e outra era pobre… não percebo ainda. Ainda não percebi. E tanto que a minha mãe teve que casar (breathe) com separação de bens. Porque o meu pai… (breathe) também já tinha aa herança… era essas coisas assim. Ah era assim.

INTERVIEWER: hum_hum… [e e] tem saudades da costura?

PARTICIPANT: [Era assim] antigamente. Não tenho nenhumas. (breathe) [Não].

INTERVIEWER: [Não?]

PARTICIPANT: Não. Não.

INTERVIEWER: É um trabalho difícil… duro?

PARTICIPANT: aa Não é… não é que seja duro... é… (click) eu chegava (click) é um trabalho assim… quem trabalha por conta própria… que era o meu caso (breathe) em dias…

[11:00]

PARTICIPANT: (cont.) as pessoas antigamente as pessoas tinham que estrear roupa em dia de Páscoa… dia de Natal… Sempre. E é nessas alturas é que (breathe) todos querem. E então... o trabalho... quem... trabalha por conta própria tem compromissos. Se se comprometeu (breathe) a trabalhar aa a ter aquilo pronto… naquela data… tinha que estar… nem que eu não dormisse. Passava noites inteiras às vezes a trabalhar.

INTERVIEWER: [hum_hum]

PARTICIPANT: [E] dava nervos. Não é que fosse duro. Nervos e... há responsabilidade.

[11:30]

INTERVIEWER: Pois… ficava [ansiosa].

PARTICIPANT: [Por isso eu]… (breathe) por isso eu deixei de trabalhar em casa e fui trabalhar p’ro… para o... uma casa... uma loja (breathe) e… mas no... toda a maneira a responsabilidade era minha…

INTERVIEWER: Mas aa tinha o trabalho [mais]…

PARTICIPANT: [mas] era diferente. [Era diferente]. Sim.

INTERVIEWER: [Mais distribuído].

PARTICIPANT: (breathe) Entrava… tinha horário… entrava às oito e saía… era para sair às sete… mas às vezes quando fazia falta saía (breathe) às dez. Mas era diferente de estar a trabalhar em casa. Isso aí não tinha… a trabalhar sempre sempre… sem horário…

[12:00]

INTERVIEWER: hum_hum

PARTICIPANT: É m[…] é muito aborrecido. E ganhava-se pouco também.

INTERVIEWER: [Pois].

PARTICIPANT: [Por] isso não tenho saudades. Não. Não.

INTERVIEWER: (laugh) E agora não se… chateia por não…não… não ter nada para fazer assim… com um horário fixo ou (breathe) ou…

PARTICIPANT: Não…só agora… só o que eu… que eu me chateia e tenho saudades é de (breathe) ter deixado (cough) Faro p’a vir para ali.

INTERVIEWER: Ai é?

[12:30]

PARTICIPANT: Porque eu... praticamente eu vivo... (breathe) vivo no campo… mas não é… é no campo… mas é... aa próximo da praia… é num ambiente assim de turismo… até tenho uma casa (breathe) aa são duas vivendas… uma alugo ao turismo… mas sou eu que trato daquilo tudo… dá-me trabalho… portanto eu nunca tenho na[…] [tenho] sempre que fazer…

INTERVIEWER: [hum] [Pronto não ‘tá desocupada… tem sempre alguma coisa…]

PARTICIPANT: [Não… não… não… não… não…]. Mas tenho saudades do tempo (breathe) que estava em Faro…

INTERVIEWER: hum_hum

PARTICIPANT: Pois. Viver num apartamento é (breathe)

[13:00]

PARTICIPANT: (cont.) quem não tem um apar[…] quem não tem um apartamento (breathe) quem tem um apartamento… deseja ter uma… casa no campo. Mas depois de ter a casa no campo… quem 'tá num apartamento está muito melhor.

INTERVIEWER: Ai é? Mas porque é num sítio [mais urbano]?

PARTICIPANT: É. [É mais] descansado… é mais… não se trabalha tanto. Uma casa no campo dá muito trabalho. É assim.

INTERVIEWER:‘Tá bom. ‘Tá bom. Muito obrigada. Não vou chateá-la mais.

[13:30]